O nascimento do Yann
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E se, por um instante, ao invés de uma mãe e seu filho, pudéssemos enxergar uma fêmea e seu filhote? Acredito que essa mudança de perspectiva possa explicar muito o que vem acontecendo nos partos nestes tempos sombrios de pandemia. Ouso dizer, mais ainda, que essa visão pode nos ajudar a entender a nós mesmas, enquanto mães, em qualquer tempo, em qualquer parto.
Venho aqui falar de instinto, emoções e de como a nossa história, que é única, define quem somos e o que vivemos.
As parteiras com longa trajetória (e aqui incluo os obstetras humanizados que tão amorosamente partejam) costumam dizer que o parto não é apenas um evento físico, mas também emocional. E na escala de importância nenhum desses aspectos está acima do outro. Eles se complementam e dançam juntos.
Nós não mergulhamos em nossa experiência de parto sozinhas. A gente entra acompanhada de toda nossa história, nossos amores, nossas dores, nossas vivências, nossas crenças e de todas as mulheres que vieram antes de nós na nossa linha da ancestralidade feminina. É um processo individual, mas que também está inserido num contexto. Mesmo sem nos darmos conta somos influenciadas pela aceitação e o apoio do outro, pelo que a sociedade pensa de nossa capacidade de parir, pelas palavras que ouvimos na gestação (“Nossa! Você é corajosa por ter um parto normal!). E mais uma infinidade de outras coisas que cercam a mulher gestante o tempo todo. Sem dúvida alguma, é uma bagagem bem pesada essa que carregamos.
O que acontece então com essas fêmeas em períodos extremamente incertos como uma pandemia? Não trago aqui conhecimento científico. Mas apenas sensações. Uma intuição. Talvez um caminho, quem sabe uma reflexão.
Somos mamíferas. E, como tal, nosso instinto mais poderoso é cuidar do nosso filhote. É ancestral, está em nossas células, carregamos por muitas gerações. Animais protegem suas crias. Escondem-nas na toca, colocam-nas debaixo da asa, afastam-nas dos predadores.
E eu, nessa reflexão que tenho carregado há muitos dias, me pego pensando: o que essas mães inconscientemente sentem no momento em que o filhote precisa sair do útero para entrar neste mundo com tantos medos, perigos e incertezas? Como deixar pra trás toda essa bagagem no exato momento em que ela se torna mais pesada? Como entregar-se de alma para o parto quando a escuridão nos impede de enxergar o que está do outro lado da ponte? Como romper um cordão umbilical que mantém unidos uma mãe e um filhote assustados? É, no mínimo, um grande ato de coragem.
Precisamos honrar a fortaleza dessas mamíferas que tão bravamente estão gestando e colocando seus filhotes no mundo. Elas têm a missão mais nobre que pode existir: são geradoras de vida e nos fazem lembrar que, sim, existe luz e esperança. A cada parto que tenho tido o privilégio de acompanhar saio fortalecida. E desejo, com todo o coração, que esse sentimento se espalhe por toda a humanidade. Ah, como eu gostaria de ter esse poder. Talvez seja uma utopia, um sonho distante. Mas eu prefiro acreditar nele neste momento. E me apego com todas as forças ao sentimento mais lindo que existe: o amor de mãe.
O vídeo abaixo conta a história dessa linda fêmea e de como amorosamente ela recebeu seu filho no mundo. A Priscila passou por uma indução e, depois de muitas horas, sem a evolução do trabalho de parto, ela precisou de uma cesárea. Não foi o que sonhou e planejou. Ela chorou. Ficou triste. Se questionou sobre o que poderia ter feito diferente. Depois enxugou as lágrimas, fez uma maquiagem às pressas no banheiro e seguiu firme para o dia mais feliz da sua vida.
Essa história tem se repetido para muitas mulheres. Talvez até mesmo para você. Então eu te digo: você não está sozinha nessa. Você já é incrível por enfrentar tantos medos. Talvez você viva momentos de muitas dúvidas e quem sabe seu parto não seja exatamente como você imaginou. Não importa. No final das contas, o que fica é o amor. Da fêmea por seu filhote.